segunda-feira, 19 de maio de 2008

A vida é um jardim

Sentada, olhando pela janela do meu quarto, eu vejo um jardim que me toma, que me dá a sensação de fazer parte da beleza da vida. Delicadeza, leveza, totalidade... Eu sou uma borboleta colorida que voa livre a procura do néctar mais doce da felicidade.

O trevo não precisa ser de quarto folhas. A sorte é um jeito de encarar as coisas, o mundo, o tempo que voa, que se dilata e se comprime. Hoje acordei como quem descobre o dia, lindo, azul ou nublado, um pouco de cada.

Rosa, verde, lilás, vermelho, amarelo. Quantas cores têm o meu jardim? Todas as cores da alegria ou é a felicidade que colore meu olhar?

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Carne, osso e sentimento

Eu sou um pássaro que voa sozinho, longe de casa, sem abrigo e enfrentando uma ventania. Sinto que estou habitada por sentimentos, como se não houvesse mais nada, nem carne, nem sangue, nada. Falta espaço!

Descobri que não estou imune, que sinto, que choro, que estou viva. A tranqüilidade é só aparente. Mas descobri também que sentir não é fraqueza, mas a única forma de ser honesto consigo.

A última gota não existe. Resolvi acolher os sentimentos, deixar que eles transitem, mostrem quem eu sou. Vivo um momento charneira, do mesmo jeito que Josso explica num livro que venho estudando no mestrado, uma experiência que marca o início de uma trajetória diferente, um divisor de águas.

Quero viver esse momento de forma consciente, quero escolher o caminho e correr todos os riscos.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

O Raio





Um conto de Ítalo Calvino,
do livro Um General na Biblioteca






Aconteceu-me uma vez, num cruzamento, no meio da multidão, no vaivém. Parei, pisquei os olhos: não entendia nada. Nada, rigorosamente nada: não entendia as razões das coisas, dos homens, era tudo sem sentido, absurdo. E comecei a rir.

Para mim, o estranho naquele momento foi que eu não tivesse percebido isso antes. E tivesse até então aceitado tudo: semáforos, veículos, cartazes, fardas, monumentos, essas coisas tão afastadas do significado do mundo, como se houvesse uma necessidade, uma coerência que ligasse umas às outras.

Então o riso morreu em minha garganta, corei de vergonha. Gesticulei, para chamar a atenção dos passantes e – Parem um momento! – gritei – tem algo estranho! Está tudo errado! Fazemos coisas absurdas! Este não pode ser o caminho certo! Onde vamos acabar?

As pessoas pararam ao meu redor, me examinavam, curiosas. Eu continuava ali no meio, gesticulava, ansioso para me explicar, torna-las participantes do raio que me iluminara de repente: e ficava quieto. Quieto, porque no momento em que levantei os braços e abri a boca a grande revelação foi como que engolida e as palavras saíram de mim assim, de chofre.

- E daí? – perguntaram as pessoas. – O que o senhor quer dizer? Está tudo no lugar. Está tudo andando como deve andar. Cada coisa é conseqüência da outra. Cada coisa está vinculada às outras. Não vemos nada de absurdo ou de injustificado!

E ali fiquei, perdido, porque diante dos meus olhos tudo voltara ao seu devido lugar e tudo me parecia natural, semáforos, monumentos, fardas, arranha-céus, trilhos de trem, mendigos, passeatas; e no entanto não me sentia tranqüilo, mas atormentado.

- Desculpem – respondi. – Talvez eu é que tenha me enganado. Tive a impressão. Mas está tudo no lugar. Desculpem. – E me afastei entre seus olhares severos. Mas, mesmo agora, toda vez (freqüentemente) que me acontece não entender alguma coisa, então, instintivamente, me vem a esperança de que seja de novo a boa ocasião para que eu volte ao estado em que não entendia mais nada, para me apoderar dessa sabedoria diferente, encontrada e perdida no mesmo instante.

terça-feira, 11 de março de 2008

Viver em descoberta


Por Fátima Oliveira

Os anos 70 foram o inicio das minhas descobertas, dos amores platônicos pelos meus artistas preferidos e amores nem tão impossíveis por alguns dos meus professores. Ouvir o som a todo o volume era como se quisesse assim gritar aos meus pais que eu queria ser ouvida e uma maneira também de afrontar-los, descobri o quanto isso os incomodava e gostava disso.

Depois fui amadurecendo, conheci o grande amor e também, a desilusão de um final nada feliz, mas as coisas para mim, eram encaradas como algo normal, não deu, não deu e a fila já andava, e como! Gostava de passar essa imagem de alto suficiente e minhas amigas me achavam diferente, forte e queriam saber como eu fazia para logo já estar vivendo outro lindo e grande amor, porque eu nunca ficava sozinha, o certo era que eu gostava de despertar e sentir paixão e as coisas aconteciam.

Acho que poderia ter aproveitado mais os estudos, mas era tanta coisa pra viver e a minha escolha principal era viver mais essa fase da maneira mais intensa possível, mas os livros, os romances esses sim eu os consumia e me embalava, ao ponto de as vezes me colocar dento deles.

Quando percebi, já estava casada, e me achando muito realizada, eu queria muito casar e ser mais livre, fazer o que bem entendesse, foi então que fiz uma grande descoberta: Eu não era essa pessoa livre que imaginava, mas em seguida, descobri a maternidade e fiquei encantada... deslumbrada...anos e anos vendo-os crescendo e acompanhando tudo intensamente.
Só depois, bem depois, vi que eu não tinha profissão, pouca liberdade e uma certa frustração, mas resolvi correr atrás, motivada por querer sempre estar vivendo feliz cada fase, conquistei meu trabalho e com ele a satisfação, o reconhecimento, também as dificuldades que o mercado impõe, os recuos que tive que fazer, mas o que mais me marcou nessa minha trajetória simples de vida foi o fato de depois de tantos anos, com filhos já adolescentes, que enfim pude descobrir e me sentir de verdade livre, livre para dizer sim ou não, para ser eu mesma e me sinto muito a vontade para ser essa mulher.

terça-feira, 4 de março de 2008

A descoberta do sertão


O sertão está em toda parte
Guimarães Rosa


Barro Vermelho é um lugarejo com uma dúzia de casas espalhadas pelas margens do asfalto novo, onde carros e caminhões passam indiferentes aos sorrisos e gentilezas de Dona Luzia, matriarca da família que me acolheu durante as oficinas de rádio-escola de Crateús.

A única escola do lugar era também a morada de muitos pássaros que teimavam em participar das oficinas, cantando mais alto do que qualquer um conseguia falar, mas de grande valia para mostrar um belo exemplo de efeito sonoro. Da porta da escola podíamos ver um horizonte sem fim, uma serra que depois descobri ser chamada “das Almas” e um verde que aparece vibrante com a primeira gota de chuva.

Mas, para conhecer a beleza secreta de Barro Vermelho é preciso esperar a chegada da noite. Sem a concorrência dos postes ou mesmo da lua que naqueles dias era nova, as milhares de estrelas, imagem inédita para a menina da cidade que sou, tomaram conta do céu. Num passeio pela beirada do asfalto podíamos ver as estrelas pelo reflexo do açude, deixando uma sensação de que o céu estava ao alcance das mãos. Demorei pra perceber, mas os pingos de luz que piscavam perto de mim eram vaga-lumes, completando o cenário de magia e revelando que o segredo do sertão é dar o devido destaque ao que realmente é belo.